segunda-feira, 4 de outubro de 2021

VERIFICAÇÃO DE CRONOTACÓGRAFOS – EXIGÊNCIA ILEGAL E ABUSIVA?

Estamos dando início a uma série de questionamentos sobre as exigências do DETRAN/DF para os transportadores de escolares. A primeira (esta) é sobre a legalidade da exigência da verificação do cronotacógrafo. A segunda e terceira, sobre a absurda, ilegal e abusiva exigência de inspeção veicular para os veículos com idade superior a dez anos e sobre vários equipamentos exigidos pela legislação distrital, contrariando, flagrantemente, dispositivos do Código de Trânsito Brasileiro e violando dispositivos da Constituição Federal. Aguardem... e acompanhem...

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Pode o CONTRAN exigir verificação periódica dos cronotacógrafos?

O art. 5º, inciso II da Constituição Federal diz o seguinte: “Ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”. É o denominado princípio da legalidade.

Não existe, na lei de trânsito, qualquer dispositivo obrigando o proprietário do veículo fazer verificação do cronotacógrafo, periodicamente. 

O que é o cronotacógrafo?

Até 22 de janeiro de 1998, o nome deste aparelho era simplesmente tacógrafo e é assim que a maioria ainda o denomina.
 
Constava da Lei n° 5.108, de 21 de setembro de 1966, em seu art. 37, § 2º, a relação dos equipamentos obrigatórios dos veículos. A letra ‘t’ deste parágrafo continha o seguinte: “registradores de velocidade, nos veículos destinados ao transporte de escolares”. 

A partir da vigência do Código de Trânsito Brasileiro, Lei n° 9.503, de 23 de setembro de 1997, o equipamento passou a ter a seguinte denominação: “registrador instantâneo inalterável de velocidade e tempo”, conforme art. 105, inciso II.

Ou seja, o tacógrafo é um instrumento destinado a registrar, através de um gráfico, os movimentos ou velocidades de um veículo. Etimologicamente, vem da junção do termo grego ‘tákhos’ (taco), que contém a ideia de velocidade, com ‘gráphõ' (grafo), que é relativo à escrita, a registrar através de linhas. Em inglês, tachograph

Com a introdução do termo ‘tempo’ no CTB, foi acrescentado, ao nome ‘tacógrafo’, o termo ‘khrónos' (crono), que se refere a tempo. Ou seja, cronotacógrafo é o instrumento que registra velocidade e tempo através de uma linha.

O que diz o Código de Trânsito sobre o cronotacógrafo?

No art. 67-E, § 2º, 3º e 4º, que o tempo de direção do motorista profissional será controlado mediante registrador instantâneo inalterável de velocidade e tempo, que deverá funcionar de forma independente e que a guarda, a preservação e a exatidão das informações contidas no registrador são de responsabilidade do condutor:

§ 2o O tempo de direção será controlado mediante registrador instantâneo inalterável de velocidade e tempo e, ou por meio de anotação em diário de bordo, ou papeleta ou ficha de trabalho externo, ou por meios eletrônicos instalados no veículo, conforme norma do Contran
§ 3o O equipamento eletrônico ou registrador deverá funcionar de forma independente de qualquer interferência do condutor, quanto aos dados registrados.  
§ 4o A guarda, a preservação e a exatidão das informações contidas no equipamento registrador instantâneo inalterável de velocidade e de tempo são de responsabilidade do condutor.  

No art. 105, II, que o registrador é um equipamento obrigatório para os veículos de transporte escolar e para alguns veículos de transporte de passageiros ou de carga:

II - para os veículos de transporte e de condução escolar, os de transporte de passageiros com mais de dez lugares e os de carga com peso bruto total superior a quatro mil, quinhentos e trinta e seis quilogramas, equipamento registrador instantâneo inalterável de velocidade e tempo;

Novamente, no art. 136, IV, especificamente para os veículos de transporte escolar, é relacionado como um dos equipamentos obrigatórios.

No capítulo XV, que trata das infrações, no art. 230, inciso XIV, que, dirigir o veículo com o registrador viciado ou defeituoso, é infração grave, cuja penalidade é multa e a medida administrativa, retenção do veículo para regularização.

XIV - com registrador instantâneo inalterável de velocidade e tempo viciado ou defeituoso, quando houver exigência desse aparelho;

Finalmente, no art. 279, que, em caso de acidente, somente o perito oficial poderá retirar o disco:

Art. 279. Em caso de acidente com vítima, envolvendo veículo equipado com registrador instantâneo de velocidade e tempo, somente o perito oficial encarregado do levantamento pericial poderá retirar o disco ou unidade armazenadora do registro.

Portanto, NÃO há, na Lei (CTB), nenhuma obrigatoriedade relativa à verificação periódica do registrador inalterável de velocidade e tempo (cronotacógrafo). Muito menos autorização para o CONTRAN editar resolução com essa exigência. 

Mas, pouco mais de um ano após a vigência do CTB, o CONTRAN editou a Resolução n° 92, de 04 de maio de 1999. Esta resolução, editada ainda sob a vigência do antigo art. 161 e parágrafo único do CTB, dispôs sobre os requisitos técnicos mínimos do cronotacógrafo.
 
No art. 3º estabeleceu que a fiscalização das condições do cronotacógrafo seria exercida pelos órgãos executivos do Sistema Nacional de Trânsito, elencando o que seria inspecionado. No art. 7º, que o equipamento a ser instalado nos veículos deveria ser aprovado pelo DENATRAN e certificado pelo INMETRO, atendendo as especificações técnicas dos anexos da resolução.

Art. 3º A fiscalização das condições de funcionamento do registrador instantâneo e inalterável de velocidade e tempo, nos veículos em que seu uso é obrigatório, será exercida pelos órgãos executivos do Sistema Nacional de Trânsito.
§ 1º Na ação de fiscalização de que trata este artigo o agente vistoriador deverá verificar e inspecionar:
I. se o registrador instantâneo e inalterável de velocidade e tempo encontra-se em perfeitas condições de uso;
II. se as ligações necessárias ao seu correto funcionamento estão devidamente conectadas e lacradas e seus componentes sem qualquer alteração;
III. se as informações previstas no artigo 2o estão disponíveis, e se a sua forma de registro continua ativa;
IV. se o condutor dispõe de disco ou fita diagrama reserva para manter o funcionamento do registrador instantâneo e inalterável de velocidade e tempo até o final da operação do veículo.
§ 2º Nas operações de fiscalização do registrador instantâneo e inalterável de velocidade e tempo, o agente fiscalizador deverá identificar-se e assinar o verso do disco ou fita diagrama, bem como mencionar o local, a data e horário em que ocorreu a fiscalização.

Em 12 de junho de 2012 o CONTRAN editou a Resolução n° 406 acrescentando o inciso V e o parágrafo 3º ao artigo 3º da resolução 92, exigindo a verificação metrológica a ser realizada pelo INMETRO, ou seja, criou obrigação não prevista em Lei:

V - se o registrador instantâneo e inalterável de velocidade e tempo está aprovado na verificação metrológica realizada pelo Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia - INMETRO ou entidade credenciada.
...............................................................................................................................§ 3º A comprovação da verificação metrológica de que trata o inciso V do § 1º poderá ser feita por meio de sítio do INMETRO na rede mundial de computadores ou por meio da via original ou cópia autenticada do certificado de verificação metrológica. (NR) 

Importante ressaltar que essa alteração na resolução 92 não teve qualquer relação com a publicação da Lei n° 12.619, de 30 de abril de 2012, que dispõe sobre o exercício da profissão de motorista, ao contrário do que constou dos ‘considerandos’ da resolução 406/12.

Pois, somente através da Lei n° 13.103, de 2015, constou o parágrafo 2º do art. 67-E se referindo ao registrador instantâneo de velocidade e tempo, como um dos meios de controle do tempo de direção. 

Além do registrador, a jornada poderia também ser controlada por meios eletrônicos instalados no veículo, estes mediante resolução do CONTRAN. Mas a lei não se referiu à necessidade de verificação metrológica a ser realizada pelo INMETRO. 

Veja que CONTRAN, três anos antes de constar na lei 13.103/15, editou a Resolução 405/12, que assim dispõe, sobre outros meios eletrônicos, além do tacógrafo:

Art. 2º A fiscalização do tempo de direção e do intervalo de descanso do motorista profissional dar-se-á por meio de: 
I - Análise do disco ou fita diagrama do registrador instantâneo e inalterável de velocidade e tempo ou de outros meios eletrônicos idôneos instalados no veículo, na forma regulamentada pelo CONTRAN; [gn]

Ou seja, as resoluções 405 e 406/12 são anteriores à Lei 13.103/2015, o que corrobora que a alteração da resolução 92/99, em 2012, nada teve a ver com a modificação introduzida pela Lei editada três anos após. E, o que deve ser regulamentado pelo CONTRAN são os 'outros meios eletrônicos idôneos instalados no veículo', até porque já existia a resolução 92/99.

A redação antiga do art. 161 e parágrafo único do CTB, permitia que o CONTRAN, através de suas resoluções, criasse sanções não previstas no CTB. 

Após decisão do Supremo Tribunal Federal, na ADIN 2998, que julgou inconstitucional o estabelecimento de sanção por parte do CONTRAN e que o parágrafo do art. 161 contraria o princípio da reserva legal, o congresso nacional alterou o art. 161 e revogou seu parágrafo único (Lei 14.071/2020), ficando com a redação a seguir, retirando, por completo, a possibilidade de o CONTRAN estabelecer sanções aos condutores e proprietários de veículos: 

Art. 161.  Constitui infração de trânsito a inobservância de qualquer preceito deste Código ou da legislação complementar, e o infrator sujeita-se às penalidades e às medidas administrativas indicadas em cada artigo deste Capítulo e às punições previstas no Capítulo XIX deste Código. 

É certo que o INMETRO, por força da Lei n° 9.933, de 20 de dezembro de 1999, poderia, em tese, exigir a verificação periódica dos instrumentos de medição. Mas o cronotacógrafo não é um instrumento de medição, mas de indicação e registro, nos termos do Código de Trânsito Brasileiro e da própria definição do INMETRO:

Cronotacógrafo é o instrumento ou conjunto de instrumentos destinado a indicar e registrar, de forma simultânea, inalterável e instantânea, a velocidade e a distância percorrida pelo veículo, em função do tempo decorrido, assim como os parâmetros relacionados com o condutor do veículo, tais como: o tempo de trabalho e os tempos de parada e de direção.

Todavia, mesmo se pudesse, cabe ao próprio INMETRO exercer, com exclusividade, o poder de polícia administrativa, conforme dispõe o art. 3º da lei citada e não possui poderes para delegar essa atividade aos órgãos executivos do Sistema Nacional de Trânsito:

Art. 3° O Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia (Inmetro), autarquia vinculada ao Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, criado pela Lei no 5.966, de 1973, é competente para:  
I - elaborar e expedir regulamentos técnicos nas áreas que lhe forem determinadas pelo Conmetro;
II - elaborar e expedir regulamentos técnicos que disponham sobre o controle metrológico legal, abrangendo instrumentos de medição;  
III - exercer, com exclusividade, o poder de polícia administrativa na área de Metrologia Legal;

Mas a Portaria que instituiu a verificação metrológica não previu sanção para quem não a fizesse (aqui).

Destarte, o CONTRAN não pode exigir verificação metrológica do cronotacógrafo nem tampouco sua ausência pode constituir infração de trânsito, a ser aplicada pelos órgãos executivos do Sistema Nacional de Trânsito, nos termos da legislação vigente e de decisão do Supremo Tribunal Federal.

Necessário, portanto, que o CONTRAN exclua, com urgência, o inciso V e o parágrafo 3º do artigo 3º da resolução 92/99, em respeito ao princípio da legalidade, sob pena de se configurar abuso de poder.

Necessário também que o CONTRAN notifique o DETRAN/DF, com urgência, para que se exima de exigir verificação do cronotacógrafo por ocasião da vistoria semestral dos veículos de transporte escolar, uma vez que não consta do rol de equipamentos e requisitos para realização da vistoria (Processo n° 50650.004509/2019-63)

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Nota do redator: O CONTRAN foi acionado na data de publicação deste texto (Processo n° 50000.028021/2021-09), para que exclua o inciso V e o parágrafo 3° do artigo 3° da resolução 92/99, desobrigando o transportador escolar de fazer a verificação metrológica do cronotacógrafo.


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terça-feira, 17 de novembro de 2020

Transporte Escolar para alunos da rede pública deve ser feito por micros e pequenos

Os transportadores escolares de Brasília devem se organizar e reivindicar que o transporte dos alunos da rede pública, que residem a mais de 2km da escola, seja feito por empresários individuais, micro-empreendedores, micro e pequenas empresas.

Num claro desrespeito à CF/88, o GDF viola a CF, ao preferir que grandes empresas prestem o serviço, em detrimento de milhares pais de família e micro e pequenas empresas.

Não há dúvidas que o transporte escolar de alunos, da rede pública principalmente, deve ser prestado pelo Estado (município, estado e união), de forma totalmente  gratuita

Pelo menos é o que está na Constituição Federal.

Primeiro, porque o transporte é um direito social, tal qual a educação (art. 6°).

Segundo, o art. 208, inciso VII, da Carta Magna é taxativo: O dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de atendimento ao educando, em todas as etapas da educação básica, por meio de programas suplementares de transporte e alimentação, além de material didático escolar e assistência à saúde. (programas suplementares: merenda escolar e transporte escolar).

O transporte de crianças e adolescentes deve ser especializado, cujos veículos e condutores deverão obedecer ao disposto no capítulo XIII do Código de Trânsito Brasileiro. Isto é necessário para assegurar, aos estudantes, o direito à educação, à dignidade, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência (art. 227 da CF). Crianças e adolescentes não podem ser transportados juntos com adultos (passe livre).

À União cabe a assistência técnica e financeira aos demais entes federados. Os Estados e o Distrito Federal devem atuar, com prioridade, no ensino fundamental e médio e os Municípios, prioritariamente, na educação infantil e ensino fundamental (art. 211 da CF).

Quem prestará o serviço? O poder público, diretamente ou mediante licitação. 

Quem poderá participar da licitação? Qualquer pessoa, seja empresário individual, micro empreendedor individual ou pequena ou média empresa, preferencialmente. 

Óbvio que uma grande empresa também pode participar, mas o custo para o Estado será maior.

No atual momento de pandemia, a sobrevivência dos transportadores escolares, sejam autônomos (atuam na informalidade, embora com veículos autorizados), empresários individuais, micro e pequenas empresas, está severamente comprometida.

Mesmo que as aulas presenciais retornem à normalidade, dificilmente o transporte escolar voltará. Muitos transportadores já deixaram a atividade e outros estão deixando, ou por total falta de receita, ou porque perderam seus veículos, ou porque foram à falência.

Só há uma alternativa para os que ainda insistem... 

Prestar o serviço para os alunos da rede pública, através de licitação. Está lá, na Lei de Diretrizes e Bases da Educação (Lei n° 9.394, de 20 de dezembro de 1996).

Os Estados e Municípios devem, prioritariamente, contratar micro e pequenas empresas, tratamento diferenciado previsto nos artigos 170, IX e 179 da CF/88. O GDF e vários municípios descumprem este dispositivo.

Mas, em vários outros municípios já funciona assim. São Paulo, por exemplo.

Imagem da internet
Os transportadores escolares de Brasília e de vários outros municípios devem se mobilizar e exigir que a CF/88 e as leis sejam cumpridas. 

Em Brasília, um número reduzidíssimo de grandes empresas, e até cooperativas, prestam o serviço, subcontratando profissionais autônomos e pequenas empresa para realizar, efetivamente o transporte. Fazem isto porque nenhuma tem veículos suficientes para atender toda a demanda.

Isto tem que mudar. Se os micro empreendedores e pequenas empresas se unirem, para reivindicar isto, os que ainda resistem à pandemia, poderão sobreviver. Caso contrário, é melhor pensarem em outra alternativa, com urgência. 

Mas é importante que seja reivindicado de forma organizada

Conversar com político específico, que muitas vezes têm outros interesses, e até prestam o serviço, é o caminho errado. O caminho certo é convencer TODOS, independente do partido, da necessidade de dar preferência aos micro e pequenos  

Devem se organizar (são mais de 1.000), enquanto que as grandes empresas que estão prestando o serviço não passam de 20. Neste caso, mais do que nunca, a união fará a força

Mas é necessário deixar de lado a vaidade e a picuinha, deixar de rivalidade uns com os outros. 

Nesta briga entre associação, comissão, pequenas cooperativas e sindicato, quem perde é só o transportador que vive da atividade, além dos próprios que ficam jogando a culpa uns nos outros. 

Quem sai ganhando nesta briga entre 'irmãos', entre os pequenos, são as grandes empresas que prestam o serviço para o GDF. E com várias irregularidades...

Reflitam...