domingo, 31 de janeiro de 2010

Passe livre não atende quem deveria atender

Entrou em vigor a Lei do passe livre, em Brasília. O objetivo da Lei é proporcionar o transporte, integralmente gratuito, de forma que os estudantes tenham acesso à educação sem arcar com este custo.

Entretanto, pelo texto da Lei, observa-se que o passe livre, em algumas situações, estará sendo utilizado para o estudante ir de casa para o trabalho e vice-versa, o que deveria ser custeado por seu empregador. De outro lado, verifica-se que alguns alunos da educação básica estão custeando seu deslocamento para a escola, sem qualquer contribuição do poder público.

Apesar de ser uma excelente iniciativa (a ideia inicial era boa), há distorções que precisam ser corrigidas, com urgência, sob pena de estarmos (nós, os contribuintes) custeando o transporte de adultos, até de quem dele não necessita, em detrimento daqueles que realmente devem ser atendidos, ou seja, os educandos da educação básica, como manda o inciso VII do art. 208 da CF, com a redação dada pela Emenda Constitucional 59, de 11 de novembro de 2009.

E pior, nos parece que as empresas do transporte público convencional serão as que mais ganharão com esta Lei. O repasse integral para as empresas, segundo reportagem do Correio, evitará aumento das passagens. Ou seja, as empresas terão aumento da receita suficiente para manter o preço das tarifas nos valores atuais. Para nós, e para a lei, transporte público convencional é o que vai parando nos pontos de ônibus para o embarque e desembarque de qualquer passageiro.

Os alunos que utilizam o transporte escolar (em sua grande maioria, alunos da educação básica, que compreendem, segundo o MEC, a educação infantil, fundamental e ensino médio), não terão o benefício do passe livre. Enganam aqueles que dizem que o transporte escolar não é público. Segundo a CF, os transportes coletivos são serviços públicos (art. 30, V CF). O que ocorre é que o transporte escolar é modalidade de transporte especializado, pois o embarque dos estudantes é feito em suas residências (não em ponto de ônibus) e o desembarque nas escolas. Qualquer pessoa do público estudantil poderá utilizá-lo. Desde que sejam estudantes. Os veículos devem ser vistoriados semestralmente pelo DETRAN, os motoristas devem ter curso específico, etc. A maioria dos que utilizam este meio de transporte (escolar) são exatamente os que deveriam ter o transporte custeado pelo Estado, em respeito à Constituição Federal: os alunos da educação básica.

E onde está a distorção da Lei?

Pela Lei do passe livre, qualquer estudante, seja de ensino fundamental, médio, superior, ou de qualquer curso, terá direito a gratuidade no transporte público, limitado a até 54 viagens por mês, dentro do período letivo (note que a própria Lei já excluiu os alunos da educação infantil, o que, por si só, já justifica a distorção). A única exigência é que o estudante more ou trabalhe a mais de um quilômetro da instituição de ensino. Pode até morar perto da escola, mas se trabalhar distante, é o suficiente. Então: o passe é livre para ir estudar ou para ir trabalhar?

Para demonstrarmos, utilizaremos alguns exemplos:

1) Um aluno de curso superior, com 25 anos, residente na QI 18 do Guará I, que estude na faculdade Projeção, localizada na QI 20, e trabalhe no plano piloto. Recebe um salário mensal de R$ 2.000,00 (não recebe o vale-transporte). Como atende a um dos requisitos da Lei, ou seja, trabalha a mais de um quilômetro da instituição de ensino, tem direito ao passe livre. Porém, óbvio que estará utilizando o passe livre para ir e voltar do trabalho, não para estudar. A distância de sua residência até a escola é menos que 1km. Pode muito bem ir a pé, até pelo fato de que não existe linha de ônibus que o leve da escola até sua casa. Custo para o Estado: 54 x R$2,00 (custo da passagem) = R$ 108,00. Repita-se: não estará utilizando o passe livre para estudar, mas sim para ir e voltar do trabalho.

2) Um aluno do ensino básico, com 6 anos de idade, residente na mesma QI 18 do Guará I e matriculado no Colégio Dimensão, situada na QE 4 do Guará I, distante 2,5km de sua residência. Atende, desta forma um dos requisitos da Lei, ou seja, reside a mais de um quilômetro de sua escola. Mas não poderá usufruir do benefício do passe livre, uma vez que não há transporte público convencional que passe perto de sua residência e/ou de sua escola. Porém, este aluno utiliza o transporte escolar, ao custo de R$ 140,00 por mês. Afinal, seus pais trabalham e ele tem que ir para escola, e, não existindo transporte público convencional, há duas opções: ou a criança vai a pé, o que é inadmissível, pela idade da criança, ou utiliza o transporte escolar, transporte coletivo mais seguro para criança desta idade ir para a escola. Como não são negligentes, preferem esta última alternativa.

3) Um aluno do ensino fundamental, com 8 anos de idade, residente na mesma QI 18 do Guará e que estude no Colégio SIGMA, na asa sul. Colégio particular. A distância de sua residência até a escola é de cerca de 13km, fazendo jus, portanto, ao benefício do passe livre. Mas, para chegar até o ponto de embarque para a escola, terá que caminhar por mais de 1km e, quando desembarcar na avenida W-3, para chegar até a escola, deverá caminhar também por quase um quilômetro. Veja que esta criança, se utilizar o transporte público convencional, estará exposta a todo tipo de risco: poderá ser assaltado no deslocamento de sua residência até o ponto de ônibus e da W-3 até a escola, viajará na companhia de adultos estranhos, com certeza em pé, em ônibus coletivos mal conservados, sem contar que, nos dias de chuva, chegará na escola todo encharcado. Evidentemente que seus pais não são negligentes e preferem utilizar o serviço de transporte coletivo escolar, pois o embarque é na porta de casa, o desembarque na porta da escola, viaja sentado e com o cinto de segurança, há uma monitora ajudando o motorista, que é treinado para o transporte de crianças, etc. Seu pai paga R$ 240,00 pelo serviço, sem qualquer ajuda do Estado. Que ninguém se precipite dizendo que estudar no SIGMA foi opção dos pais e que, sendo assim, que arquem com os custos. A Constituição Federal não permite esta discriminação nem a Lei do passe livre exige que se estude em escola pública.

4) Um aluno com 24 anos de idade, cursando a faculdade UPIS (também particular), localizada ao lado do Colégio SIGMA e residente na mesma QI 18 do Guará I. Recebe do Estado a importância de até R$ 108,00 para o deslocamento residência-faculdade-residência, utilizando o transporte público convencional. Poderia se perguntar por que não foi estudar na faculdade Projeção, distante menos de 1km de sua residência? Por opção. Preferiu a UPIS. Este estudante, ao contrário do aluno do exemplo anterior, terá o transporte até a instituição de ensino totalmente custeado pelo Estado.

Não é razoável que a Lei do passe livre atenda a alunos do curso superior e não garanta o transporte dos alunos da educação básica, como determina a Constituição Federal. O próprio Estado, no caso o DETRAN, faz campanha de segurança nas escolas e recomenda: Pais, acompanhem as crianças até a entrada da escola (a criança não deve ir sozinha para a escola). Estudantes, evite andar sozinho no trajeto até a escola (é perigoso); se utilizam transporte coletivo, evite paradas escuras ou isoladas (este transporte não é seguro para crianças); evitem usar aparelhos eletrônicos no trajeto (poderão ser assaltadas).

Mas há solução. Que altere a Lei permitindo aos pais dos alunos dos exemplos 2 e 3 acima, receber do Estado, os R$ 108,00 que teriam direito se utilizasse o transporte público convencional (passe livre), arcando com a diferença. Ou que os pais apresentem os contratos assinados com os permissionários do transporte escolar e o Estado repasse diretamente a estes, o valor correspondente. Que se criem mecanismos para evitar fraudes, estabelecendo punições rigorosas ao transportador escolar e aos pais que assim procedessem.

No caso do aluno que estuda no Guará (item 2), os pais arcariam com uma diferença de R$ 32,00 e do aluno que estuda no SIGMA (item 3), pagariam mais R$ 132,00 (240,00-108,00), diretamente ao transportador.

Aí sim, a lei beneficiaria todos os estudantes que residam a mais de 1km da escola, como pretendeu a Lei, principalmente os da educação básica, sem negligenciar com sua segurança.

A continuar do jeito que está, o Estado (o contribuinte) estará custeando o deslocamento de estudantes de suas residências para o trabalho, encargo que cabe aos seus empregadores, quando deveriam arcar com o transporte apenas dos estudantes da educação básica, conforme manda nossa Lei Maior.

Esperamos que os nobres Deputados acordem e corrijam tal distorção.

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